30 de mai. de 2011

Todos juntos

Incluir alunos com deficiência em escolas regulares requer transformação pedagógica                                                                              

Alunos de escola municipal em Contagem (MG), Thúlio Natividade Ciollete e Eduarda Almeida Magalhães conversam em Libras

Quando Eduarda Almeida Magalhães fez seis anos, seu pai, Nilton Campos Magalhães, decidiu matriculá-la no mesmo colégio onde sua filha mais velha estudava.
Um ano e meio depois, Nilton precisou trocar a caçula de escola. "Eduarda é surda. O combinado era que o colégio providenciaria a capacitação de um professor para ajudar no aprendizado da milha filha. Mas depois alegaram que era muito caro."
Eduarda foi então transferida para a escola de ensino fundamental Vasco Pinto da Fonseca, da rede pública de
Contagem (MG). Hoje, aos 12, faz a segunda série do ensino fundamental 2, completamente integrada às atividades do currículo como todos os seus colegas.
E não está sozinha: entre os 1.200 alunos da instituição, há cerca de 40 alunos com algum tipo de necessidade especial, entre surdos, disléxicos, cadeirantes, crianças com baixa visão e síndrome de Down.
A história de Eduarda resume o debate sobre a inclusão de crianças com deficiência na rede regular de ensino e as condições necessárias para que dê certo: capacitação dos docentes, adaptação do currículo e vontade e disposição para isso.
"Uma pesquisa nacional mostrou que 85% dos professores da rede pública não se sentem preparados para receber um aluno com deficiência em classe e até prefeririam que isso não acontecesse", diz a deputada federal Mara Gabrilli (PSDB-SP).
A dupla matrícula, que acontece quando o aluno com deficiência frequenta a rede regular de ensino e, no contraturno, a escola especial, é o conteúdo da meta quatro do PNE 2011-2020 (Plano Nacional de Educação) do MEC (Ministério da Educação), que ainda espera por aprovação.

APRENDIZAGEM

A escola Vasco Pinto da Fonseca inaugurou em fevereiro sua sala de atendimento especial, uma das possibilidades de atendimento dos alunos com deficiência no contraturno das atividades regulares (e alternativa à instituição especial).
O evento deu um salto à vocação inclusiva da escola e acabou motivando uma reunião entre a gestão, os professores e os pais de alunos.
Quem reivindicou a reunião foi Alexandre Vilefort, pai de dois alunos regulares, um menino de 13 e uma menina de 9 anos.
"Só na sala do meu filho, há sete alunos de inclusão. Se não houver planejamento e preparo do professor, haverá prejuízo pedagógico para todos, com ou sem deficiência", diz. Um dos resultados da reunião foi a locação de mais auxiliares por classe.
Para Eduardo José Manzini, ex-presidente da ABPEE (Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial), é necessário ter profissionais qualificados.
"A tendência do professor despreparado será sempre excluir o aluno diferente e não puxar a sala para perto dele", afirma.

FLEXIBILIZAR
No Colégio Renascença, instituição privada na região central de São Paulo, entre seus 900 alunos, 12 têm deficiências, como síndrome de Down e deficit auditivo.
"Temos no máximo quatro crianças com deficiência por sala. Se há a necessidade de inserirmos mais alunos, ampliamos o quadro de profissionais", afirma o diretor João Carlos Martins.
Segundo a psicopedagoga Cláudia Feldman, essa visão holística da educação, que vem com a inclusão, é boa para a escola, faz com que ela reflita sobre as metas do aprendizado e as flexibilize em relação a todos os alunos.
A presença de um aluno com deficiência em classe leva o professor comprometido a rever suas estratégias pedagógicas e de avaliação.
"O conflito atual é como lidar com isso ao mesmo tempo em que temos que preparar os alunos para o vestibular. Mas aprender pode significar muito mais do que entrar numa boa universidade", afirma a piscopedagoga.
Diálogo entre profissionais é imprescindívelO diálogo entre quem faz o atendimento no contraturno e o professor que está na sala de aula é outro nó a ser desatado para o sucesso do modelo de incluir alunos com deficiência na escola regular.
"Essa parceria é fundamental, mas, quase sempre, as duas instâncias trabalham sem a integração do currículo", diz Ana Lúcia Rago, psicopedagoga do departamento de Visão Subnormal da Santa Casa de Misericórdia (SP).
Por causa da falta de trabalho conjunto, Kaíque dos Santos Cunha, 12, cadeirante com baixa visão, mudou de escola duas vezes em menos de três anos.
"Na primeira escola, a professora da sala de aula tinha disposição para acompanhar meu filho, mas não sabia como. A do contraturno não ajudava. Na segunda, aconteceu o inverso", diz a mãe do aluno, Edilene Aceituno.
Agora matriculado na escola municipal Padre Serafin Martinez Gutierrez, em Artur Alvim, na zona leste de São Paulo, e fazendo o contraturno na Adefav (Associação para Deficientes da Áudio Visão), Kaíque vive os benefícios do casamento entre escola regular e especial.
Em um trabalho de intercâmbio, a Adefav visitou a escola Padre Serafin e compartilhou adaptações necessárias ao aprendizado de alunos como Kaíque, entre elas, a instituição da avaliação oral.
Segundo Maria Aparecida Cormedi, diretora da Adefav, a associação faz o contraturno de 69 alunos da rede pública de SP.
"A escola especial precisa de apoio para agir como multiplicadora dos seus conhecimentos", diz. (VCS)
Fonte: Folha de São Paulo, de 30/05/2011.


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