Artista
tetraplégica e muda é PhD com 'distinção e louvor'
O primeiro
"obrigada" foi mais difícil e demorado. O nervosismo atrapalhava a
doutoranda na escolha das letras. No entanto, depois de um "ops!" que
arrancou gargalhadas da plateia, ela se soltou e respondeu com desenvoltura aos
comentários da banca examinadora.
Ao final de três
horas, Ana Amália Tavares Barbosa, 46, recebeu ontem, com "distinção e
louvor", o título de doutora em arte e educação pela USP. É a primeira
pessoa na sua condição (tetraplégica, muda, deficiente visual e que não
consegue mastigar e engolir) a receber o título lá.
Ana Amália
escreveu sua tese usando um programa de computador desenvolvido para ela. Ela
toca um sensor com o queixo para escolher cada letra e formar, assim, as
palavras. No início da cerimônia, fez uma apresentação usando um programa que
transforma o texto em voz.
Há dez anos, Ana
Amália sofreu um AVC (acidente vascular cerebral) no tronco cerebral, no dia da
defesa da sua dissertação de mestrado. Como sequela, ficou com síndrome do
encarceramento ("locked in").
Sua tese, intitulada
"Além do Corpo", é fruto de três anos de trabalho com artes visuais,
realizado com um grupo de seis crianças com lesões cerebrais atendidas na
Associação Nosso Sonho.
A defesa da tese
quebrou todos os protocolos. Teve choro, risos, aplausos fora de hora e fala
que não estava prevista. "É um momento histórico não só para as pessoas
com deficiências, mas para toda a sociedade. Deve levar a uma transformação do
modelo educacional vigente", disse a secretária dos Direitos da Pessoa com
Deficiência, Linamara Battistella.
A mãe de Ana
Amália, Ana Mae Barbosa, professora aposentada da ECA (Escola de Comunicação e
Artes), preferiu assistir à cerimônia de longe. "Estou nervosíssima e
muito orgulhosa. Ela deixou de ser vítima da vida para conduzir a própria
vida."
As cinco
examinadoras elogiaram a clareza, a objetividade e a concisão do texto de Ana
Amália. E, principalmente, o caráter de "manifesto político" do
trabalho.
"Ele mostrou
que não sabemos nada de aprendizagem, de educação, de cognição, de percepção,
de inteligência e de generosidade", afirmou Sumaya Mattar, professora da
ECA.
A orientadora de
Ana Amália, Regina Stela Machado, resumiu: "A gente dá muita desculpa para
o que não faz, vive muito na superficialidade e não vê as coisas importantes da
vida."
Ao final, já
doutora, Ana Amália disse só uma palavra com os olhos: "Consegui".
Fonte: reportagem de Cláudia Collucci, publicada na
Folha de São Paulo de 10/05/2012, e fotografia de Christian
Tragni da Folhapress.
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