20 de mar. de 2011

São Paulo resiste a pagar

São Paulo alega que obrigação judicial de bancar educação de jovem com[br]paralisia cerebral não inclui ensino médio e deixa estudante inadimplente
Bruno Paes Manso

Se a vida já não é fácil para ninguém, o destino exagerou nos obstáculos que colocou diante de Maria Carolina Martins Ribeiro, de 15 anos. Prematura, 1,3 quilo, foi diagnosticada na ortopedia da maternidade com quadro de paralisia cerebral, doença que prejudica seus movimentos abaixo da cintura, e síndrome de Streeter, que causa má formação dos ossos das mãos e pés.
Até os 7 anos e meio, como sua estrutura óssea era frágil, não podia nem ficar sentada em uma cadeira de rodas. Para conseguir andar, ao longo de seus 15 anos, passou por 45 cirurgias, colocou placas no fêmur e nos pés direito e esquerdo, que também receberam 13 parafusos. Sem contar as mais de cem operações nas mãos. Anda lentamente e manca um pouco. Sempre depois das cirurgias, precisa ficar 90 dias sem andar.
Nada que faça Maria Carolina posar de coitada. Pelo contrário. Ela se define como uma pessoa otimista. Isso porque adora estudar. E tem muita fé em Deus. No ano passado, ganhou o primeiro lugar em redação no colégio particular onde estuda, Morales Lopes, no Jaraguá. Sobre o terremoto do Haiti, escreveu "A chance de um recomeço", sobre a oportunidade que os haitianos teriam para mostrar força diante de uma tragédia.
No começo do ano, contudo, Maria Carolina fraquejou. A mensalidade da escola, R$ 350, que era paga pela Prefeitura, deixou de ser depositada. Já são três meses atrasados. Como o município não tinha condições de proporcionar educação para uma criança em suas condições, em 2003, a família de Carolina, cuja renda mensal é de R$ 700, entrou com uma ação na Justiça, que determinou o pagamento da mensalidade "durante o tempo que fosse necessário e adequado para a educação" dela.
Para reverter a situação, desde outubro, a mãe de Carolina, Valquíria, procura em vão diálogo com o município. Quer que a Prefeitura continue pagando a mensalidade no ensino médio. "Meus pais sempre me preparam para pular obstáculos como preconceitos, calçadas esburacadas, essas coisas. Agora que uma ordem judicial foi descumprida, sem explicação, não sei como enfrentar", diz Carolina.
Escadas. Quando era criança, Carolina estudou em escola pública. Os professores não tinham paciência para ensinar uma aluna especial. No intervalo, como eles se recusavam a levar sua cadeira de rodas escada abaixo, ela ficava isolada durante o recreio. A menina travou e pensou que não suportaria.
Tudo mudou na nova escola, quando a ótima aluna aflorou. A menor nota no histórico escolar, ao longo de nove anos, foi 8,5, em um boletim repleto de 10. Resultado obtido apesar das cirurgias e repousos forçados.
Português e espanhol são suas matérias favoritas, mas ela também gosta de ciências sociais. "É um colégio voltado para o vestibular. Por isso é puxado", diz a estudante que, no futuro, não sabe se vai estudar Medicina ou Direito.
No ano passado, quando se formou no ensino fundamental, Carolina foi homenageada pelo seu professor Valmir, de Educação Física. O professor disse no auditório que não esperava ter uma lição de vida depois de 20 anos de trabalho. Isso porque, ao longo de todo o curso, apesar dos problemas físicos, Carolina sempre fez questão de participar das aulas. Fazia aquecimento com os outros alunos e participava de jogos como vôlei e basquete, sempre com o professor do lado.
É essa briga jurídica que a Secretaria Municipal de Educação quer comprar, a fim de economizar R$ 3 mil por ano. Para não pagar, argumenta que, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a prioridade da oferta do ensino médio é do Estado e não do município.
Fonte: Estadão de 20/03/2011.

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